Como qualificar uma organização autônoma descentralizada?
Quando encaramos fenômenos novos ou que não conseguimos compreender completamente, é natural passarmos por processos de assimilação ou comparação para qualificá-los. Com as DAOs não é diferente: elas existem mas suas características são tão sui generis que é quase impossível encaixá-las em conceitos pré-existentes. Mas conceitos que hoje temos por definidos também passaram por períodos de incompreensão, mas posteriormente foram conceitualizados por força das normas legais.
As DAOs, ainda, não foram objeto dessa qualificação legal, então para isso é necessário um exercício de comparação. Tendo em consideração que as decisões de uma DAO são executadas pelo smart contract, que não existe corpo de diretores nem representação externa, que a DAO não está revestida de personalidade, tampouco existe fisicamente em um local, e seu escopo é de promover o financiamento da DAO através de criptoativos compartilhado pelos seus acionistas/tokenholders, a figura legal mais próxima seria da parceria.
Genericamente, é preciso que seja identificado na DAO quatro qualidades para isso: uma estrutura que faça a parceria ter significado, um propósito conjunto, um controle da relação pelos parceiros, e uma distribuição de lucros entre os parceiros.
Essa compreensão traz também consequências em relação a responsabilidade da DAO: por não possuir personalidade ou capacidade legal, seus tokenholders respondem ilimitadamente; além de que a DAO não poderá figurar como parte contratante, significando que não poderá promover nem figurar no polo passivo de demandas. Porém, essas consequências podem ser mitigadas utilizando-se de ferramentas dentro da DAO, como a nomeação de representantes, ou através da combinação de contratos onde se invista uma personalidade à DAO como a de uma entidade. Além disso, a natureza pseudoanônima da blockchain representa um nível a mais de proteção para seus membros.
FONTE: Desafios na qualificação jurídica das organizações autónomas descentralizadas (DAOs): oaparecimento da “criptossociedade”?, de ANTÓNIO GARCIA ROLO, CIDP RESEARCH PAPER N.o 11/2022 JULY 2022.